domingo, 10 de julho de 2016

ENREDO DA PORTELA 2017

Paulo Barros é um profissional que gosta de desafiar a caretice. Em 2016, muitos atribuíram à água jogada na pista pela Comissão de Frente a perda de pontos que poderiam ter dado à Águia o tão esperado reencontro com as vitórias. Pois bem, se falaram mal da água, esperem em 2017 um tsunami, ele tem brincado. O enredo da Portela vai falar de… água: Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida E O Meu Coração Se Deixou Levar.

Em tempos de patrocínios escassos, o carnavalesco emplaca outro enredo autoral: um passeio pelos cursos de água doce, o bem mais precioso do mundo e toda o impulso que deram à humanidade, a religiosidade, manifestações culturais, crenças e lendas em torno deles. É um arsenal riquíssimo para fantasias e alegorias.

A introdução da sinopse, divulgada na quinta (7) por Paulo Barros, o president Marcos Falcon e a comissão de carnaval, permite antever a lógica da narrativa:

O rio inspira os homens. De suas águas, pescam o sonho e o conhecimento, colhem a história e o encantamento. O rio azul e branco nasce da fonte de onde se originam a vida e as culturas humanas. Prima matéria, a água doce está associada aos mitos de criação do universo das antigas civilizações, é a manifestação do sagrado nas religiões e a maior riqueza para as sociedades modernas. A Águia bebe dessa água cristalina em sua nascente, onde brota o bem mais precioso criado pela natureza. No berço do samba, o pássaro abençoa a passarela, leito do rio da Portela. Segue recolhendo a poesia de muitos outros rios, enquanto mantém o seu rumo. Atravessa a Avenida, lavando a alma de quem deseja ver o rio passar, saciando a sede de vitória, irrigando de alegria o povo que habita a beira do rio. Suas águas purificam o corpo, afogam a tristeza e renovam as forças a cada alvorada. Convida a conhecer seus mistérios, cruzando aldeias e povoados, cidades e países distantes.

O rio é velho e por ele correm muitas histórias, porque sempre esteve ali a guardar os segredos das águas que deram origem ao mundo. O rio é novo porque está sempre em movimento e nunca passa duas vezes pelo mesmo lugar. O rio não pode voltar. Ele segue em busca do seu destino. Nasce como um fio d’água, calmo e sereno, e continua para receber muitas contribuições em seu curso. Enquanto cresce, irriga e fecunda as margens de onde se colhe o alimento do corpo e da alma. Avança sobre a terra e não se deixa vencer pelas pedras que encontra no caminho. Passa inspirando canções e poemas, linhas e formas sinuosas. Em sua exuberância, desfila entre matas, plantações, casas humildes e mercados, do interior até chegar às grandes metrópoles e receber as imensas construções fincadas em suas margens. O homem e o rio estão ligados pelo corpo e pelo espírito. Os artistas, músicos e cantadores, arquitetos e escritores incorporam a alma do rio e refletem suas imagens. Aqueles que se entregam à devoção e murmuram suas preces, pedidos e promessas fazem procissões e oferendas, agradecidos pelos desejos atendidos. O homem tira a vida do rio. A vida é como um rio que corre em direção ao seu destino.

Dá pra perceber que não se trata de uma mera “volta ao mundo em 80 rios”. O desfile começa pela constatação de que a água é origem da vida e a Águia bebe dessa fonte para fazer sua viagem por esse “universo”. Em seguida, aborda-se a importância dos rios para as civilizações, desde as primeiras técnicas de irrigação, até sua mistura de ciência e mitos.

Os mitos abrem a porta para falar dos seres do Rio, a Iara, a Boiuna (cobra dos olhos de fogo). Esse setor lembra a importância dos aguapés para filtrar a poluição, mas também podem esconder criaturas bem reais, como o crocodilo.

Essa menção à poluição nos joga de volta ao real, pelas vidas que giram em torno do rio. Do zum zum das lavadeiras, dos mercados abastecidos pelos barcos. O final desse setor nos joga de volta para o imaginário para falar da Alma dos Rios, dos sons e poemas inspirados pelas águas.

A tristeza expiada pelo soul Americano promove, por meio da música, o encontro com as águas portelenses do último setor, batizado de “Meu Coração se Deixou Levar”. Os cânticos de fé, as barqueadas, os cultos dos negros brasileiros que fazem a Águia aterrissar de novo na Sapucaí. O rio azul e branco, imortalizado por Paulinho da Viola  nos anos 1970 e comparado a uma religião por Clara Nunes, em um de seus maiores sucessos, Portela na Avenida.

Paulo Barros contou na divulgação da sinopse que este foi um enredo que fluiu naturalmente (com trocadilho!) e ele parece empolgado. Falcon, o presidente, afirmou que a Portela está se preparando em todos os segmentos para não perder os décimos que lhe faltaram para o título em 2016. O enredo promete colaborar para um desfile de escola que não tem medo de vencer.

Momento da Saudade


Essa não é a primeira vez que a Portela fala de água. Em 1981, a Águia de Madureira levou para a Sapucaí o enredo Das Maravilhas do Mar Fez-se o Esplendor de Uma Noite. O samba-enredo era então uma paixão nacional e este, em especial, uma coqueluche. Na época, os desfiles não tinham a organização quase militar de hoje. Tanta gente invadiu a pista pra sambar com a Portela que a escola desfilou espremida. O carnavalesco desenhou os chapéus das fantasias com o mesmo padrão, para dar a ilusão do mar azul e branco. A Águia acabou em terceiro lugar naquele ano.

sábado, 9 de julho de 2016

SAÚDE, MEMÓRIA e IDOSO: impressões

Para começar saúde demanda e depende de equilíbrio nas relações, na alimentação e no sono. É um equilíbrio sempre muito difícil, pois diferentes elementos precisam ser observados e cuidados, como cultura, profissão, afetos e religião. Há uma aura sempre necessitando de atenção: é saúde mental efervescente e projetada na pretensão de uma inclusão social. Há a parceria entre a biologia cerebral e a mente social na intenção de lidar melhor com o imprevisível, os traumas e as impossibilidades da vida. Organismo e ambiente dinamizam, em sinergia, o desenvolvimento humano. E, de novo: é um equilíbrio muito difícil de manter. Então pensemos: quais são os nossos limites para manter nossa saúde? De pronto podemos responder: a base está em nosso contexto.
Em nossos primeiros movimentos na vida, o contexto (e todos os seus estímulos) é o fundamento de nossa neuroplasticidade (forma de afetar o sistema nervoso; ação do sistema nervoso). É do contexto que criamos, fortalecemos e projetamos nossa individualidade. A partir do contexto encaramos adaptações internas e remodelamos nossas conexões de sentir, de pensar e de agir. Ainda que venhamos a ter lesões, outras estruturas do cérebro podem assumir a função da área afetada e, com isso reorganizar os comportamentos, manter nossas emoções e criar espaços contínuos de inclusão social. Mas para isso precisamos manter a saúde!
Diante disso, algumas afirmativas iniciais: saúde nos capacita ao amor, à aprendizagem, às ações, aos pensamentos etc.; nos capacita e habilita a tudo na/em vida; nos anima com a possibilidade da mutabilidade e renovação; e nos coloca dentro de um ciclo mais do que vital, ela nos coloca num ciclo vitalício. Pensando assim: quando o assunto é neurociência, a questão do contexto torna-se uma questão de sistema nervoso e de memória. Boa disposição física e mental é uma questão de memória. Conceitos como qualidade de vida e bem-estar são questões de memória. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) inclui na definição de saúde, o bem-estar social entre os indivíduos, ou seja, de novo, memória.
A partir do nascimento, somos seres expostos aos mais variados estímulos e o sistema nervoso segue trabalhando fervorosamente para sobreviver. Hábitos, ambientes, estilos, tudo cabe na configuração do sistema nervoso e este constrói uma memória sensorial e afetiva em larga escala, por associação e colaboração: processo de aprendizagem por associação e justaposição (e descarte) de informações. Schvinger (apud BIASON, 2016, p.09) afirma, então, o seguinte, “se o cérebro muda, então é possível investir na aprendizagem de novos conhecimentos”. Em cada etapa da vida, o sistema nervoso vai modificando suas propriedades em resposta aos tantos estímulos a que temos acessos: são as chamadas ‘experiências’. Aprender torna-se ação natural de adquirir, armazenar, recuperar e evocar informações de acordo com as necessidades de momento. Mas é preciso saúde.
Desta memória, comportamentos benéficos ou prejudiciais se apresentam, e o movimento neuroplástico não para. Nossa memória, sempre associativa, é flexível e mutante, afinal, “neuplasticidade acontece, basicamente, em dois casos: após lesões cerebrais ou em resposta aos estímulos externos” (BIASON, 2016, p.09). Nesta perspectiva seguimos aprendendo a dançar, a cantar, a tocar instrumentos, a falar outras línguas, a usar aparelhos eletrônicos etc. É a chamada aprendizagem sináptica. Em toda a vida somos suscetíveis aos estímulos e podemos reconfigurar nossa mente positivamente. Ninguém é ‘velho demais para aprender’!
Contexto, memória e neurônios espelhos, eis nossa singuralidade bem estruturada e sempre buscando entender, se superar e sobreviver em sociedade. Para ser saudável, é preciso colocar o cérebro para funcionar pelo desejo e com criatividade. Mesmo em idade avançada, essa teoria é válida. Principalmente em idade avançada, essa teoria é fundamental. Neste momento da vida, a lentidão e o esquecimento são crescentes. E por isso, neste momento da vida, a questão inerente é a atenção aos estímulos, às motivações, aos desejos e às experiências com criatividade. Então, o que pode causar prejuízo para esta saúde (memória)? De novo, o contexto / ambiente, agora, monótono, dissociativo, indiferente e/ou de emoções tóxicas.
Alimentação balanceada, prática regular de exercícios físicos, bem-estar emocional, estratégias para combater o estresse, cultivo de amizades, aprender novas habilidades são aprendizagens / ações importantes; são práticas contínuas observadas e/ou repetidas na vida toda; são experiências e conhecimentos que fundamentam os comportamentos saudáveis em idade avançada. Só que o mundo mudou: o contexto está recheado de informações (estímulos) e estas estão sobrepostas em velocidade. Há a sensação de aceleramento do tempo (dias) e, por conseguinte, há a precarização de nossas necessidades de prazer e bem-estar já que estas, para serem reconhecidas e bem vividas, precisam de reflexão (tempo) e experimentação. O hipocampo, gerente da memória, segundo Izquierdo (2004) precisa de pit-stops para arejar o conjunto de memórias que adquire cotidianamente.
Em paralelo à necessidade de saúde, há a vivencia da ansiedade e da distração: a sensação de velocidade causa isso. E a saúde é degradada. E as aprendizagens são superficiais. E os afetos são ligeiros. Fora isso, a sobrevivência financeira, o saneamento básico, a assistência médica, a alimentação, o sono, as relações pessoais dentre outros são escassos, o que torna a vida diária ainda mais angustiante. E nossos idosos estão neste círculo vicioso. Eles vivem a saturação de suas memórias, ou seja, segundo Izquierdo (2004), vivem a “sensação de naufrágio no meio de um excesso de informação, próprio da vida moderna, onde estamos continuamente sendo bombardeados por mais informações do que acreditamos poder processar” (p.30) então, continua Izquierdo (2004), “para evitar o naufrágio é preciso ‘racionalizar o trabalho do gerente’ (o hipocampo) e dar-lhe folgas nos momentos necessários. Uma receita de uso geral é aprender a dizer ‘não!’” (p.31).
Muitos idosos a partir dos 70 anos estão com a mente saudável, vivem a vida de forma equilibrada, experimentam novidades como estudar, amar, viajar, dançar de forma livre e libertadora em conjunto ou não; só que o organismo (e sua memória), naturalmente, já apresenta disfunções. Então, mesmo saudáveis, é preciso oferecer um esquecimento com arte, afinal “não somos além daquilo que nos recordamos [e por isso] esquecemos para poder pensar, e esquecemos para não ficar loucos; esquecemos para poder conviver e para poder sobreviver” (IZQUIERDO, 2004, p.19 e p.22).
Se a expectativa de vida aumentou; muitos problemas socioeconômicos e culturais tornaram-se mais graves. Ainda assim, segundo site de Drauzio Varella (2012)[1], são muitas as pessoas que chegaram aos 70, 80 anos em condições físicas e mentais muito boas. Isso é bom e ruim. Bom porque estas pessoas se tornaram consumidores ativos; ruim porque seus parentes estão levando mais tempo lidando com eles. Como consumidores se sentem incluídos, ativos, vivos (independentes); mas normalmente, na relação familiar, há problemas emocionais sérios. E a memória afetiva tão importante na vida ativa dos idosos pode ser seu maior problema:
ð  eles se percebem como estorvo;
ð  eles sentem que suas ações causam irritações;
ð  eles sabem que envelheceram e, de alguma maneira, dependem;
ð  eles tem dificuldade para serem respeitados;
ð  eles acabam se isolando para não causarem problemas;
ð  eles, as vezes, desenvolvem doenças para obter carinho e atenção mínima;
ð  eles se deprimem e se esquecem de quem são.

Segundo Jacob (2012), “o envelhecimento saudável impõe não só boa condição física e mental, como também a inclusão social que permite desempenhar tais funções”. Devemos eliminar, portanto, a questão etária quando analisamos a pessoa idosa. Ainda que, no Brasil, idoso seja classificado a partir dos 60 anos, o
“envelhecimento ativo conduz ao envelhecimento saudável. (...) Além disso, é importante manter atividade social, profissional, afetiva e amorosa em todos os sentidos. O idoso precisa compreender que só pertencerá à comunidade se agir como ela age. Caso contrário, será dela excluído naturalmente”. (JACOB, 2012).

Em comum acordo com esta leitura estão as atividades mentais e físicas, ainda que limitadas (mais lentas), sem sobrecargas. E de acordo com Jacob (2012), “(...) a atividade física faz com que a pessoa, apesar da idade mais avançada, consiga preservar a capacidade de adaptação funcional, seu organismo terá respostas mais próximas das encontradas nos indivíduos de menos idade, isto é, preserva-se a capacidade de dar resposta à demanda funcional”.
Segundo a OMS há seis domínios a serem observados quanto à qualidade de vida: o físico, o psicológico, o do nível de independência, o das relações sociais, o do meio ambiente e o dos aspectos religiosos. Quaisquer atividades relacionadas ao fortalecimento da memória ou ao retardamento de quaisquer disfunções mnemônicas precisam se estabelecer a partir do conhecimento destes domínios, principalmente na questão do idoso. É uma mensuração que pode criar uma teia de ações focadas no contexto (memória) do idoso: uma teia em que seus gostos e prazeres sejam levados em consideração.
Quem tem a sorte de envelhecer e envelhecer de forma saudável, também precisa de estímulos às atividades proativas para que o esquecimento aconteça mais tarde. No caso do idoso, quase toda transformação interna já ocorreu; logo é preciso que se trabalhem hábitos e costumes; é preciso respeitar seus hábitos e costumes; mas também é preciso oportunizar mudanças que valorizem corpo e mente.
Em todo o processo, é preciso que o idoso comece e termine as atividades se sentindo bem e valorizado; é preciso afetar o sistema nervoso com intensidade, afinal “toda memória é adquirida num certo estado emocional. (...) Gravamos melhor, e temos muito menos tendência a esquecer, as memórias de alto conteúdo emocional”. (IZQUIERDO, 2004, p.36-37).
Saúde é isso: manter equilibrados níveis de humor, prazer, sono, alimentação e afetividade que harmonizem a vivência do seu próprio cotidiano (família e amigos). Saúde é ‘alimentar’ o nível de satisfação com a própria vida. Há uma engenharia de ações e atitudes importantes para quem trabalha com idosos: escuta, educação, afeto, respeito, compreensão, conhecimento, estudos, atividades prazerosas. É importante entender que
“saudável é estar disponível para a vida em todas as suas dimensões e suas implicações, seus prazeres e dores, suas alegrias e tristezas, e ser feliz por poder experimentar sentimentos, ter sensações e se saber maior que eles. (...) é perceber-se como agente participante e transformador da vida. É olhar para o outro e vê-lo como parceiro nessa caminhada. É perceber que tudo o que fazemos é parte de um enorme sistema orgânico e que não é possível caminhar sozinho” (2013)[2].

Nesta perspectiva textual, cheia de impressões e sugestões, alguns pensamentos podem criar um mapa de ações realistas e efetivas junto aos idosos, a saber:
ð  É preciso quebrar barreiras emocionais e motoras;
ð  É preciso conhecer táticas de convencimento interessantes;
ð  É preciso ter paciência com erros e repetições de cada idade;
ð  É preciso ter uma fala calma ainda que assertivo;
ð  É preciso privilegiar o diálogo e a escuta sensível;
ð  É preciso entender a necessidade de independência e privacidade;
ð  É preciso criar um elo de confiabilidade sincero;
ð  É preciso criar atividades divertidas, mas apropriadas;
ð  É preciso negar o isolamento e o silêncio, vez por outra e com respeito;
ð  É preciso manter rotinas básicas e divertidas.

Profª Claudia Nunes

Referências:

BIASON, Augusto. Ao infinito e além. São Paulo: Ed. Alto Astral, 2016, p. 08 e 09. Revista Mundo Secreto do Cérebro Especial.
IZQUIERDO, Ivan. A arte de esquecer: cérebro, memória e esquecimento. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2004.




[1] ENVELHECIMENTO SAUDÁVEL I – Drauzio Varella entrevista Wilson Jacob Filho. 2012. http://drauziovarella.com.br/envelhecimento/envelhecimento-saudavel-i/

NETWORKING: todo cuidado é pouco


Uma palavra tem aparecido muitas vezes em minhas leituras e vida: networking (‘net’ = rede; + ‘working’ = trabalhando). Fora essa mania besta do brasileiro de utilizar palavras em inglês em suas relações pensando que isso incorpora status e força ao que se expressa, ‘networking’ representa ‘rede de contatos’ e foi introduzido ao cotidiano profissional e pessoal pela administração e pelo marketing.
Em tempos de muita exposição, muitos ambientes para exposição e pouco tempo para reflexão e seleção do que / como expor ou se expor, surge o ‘networking’. Novidade? Não! Apenas outra forma de se sentir incluído em sociedade a partir dos seus desejos, objetivos e/ou interesses. Estamos falando de ‘relacionamentos’, de ‘rede’, e de como construímos a vida todos os dias, no que percebo, por causa de interesses. Hoje em dia networking é outra forma de conectividade só que embutido está o interesse no que o outro pode lhe proporcionar ou criar diferentes nichos / visibilidades para si mesmo.
É uma palavra incomoda. O sistema de recompensa e o bolso agradecem, afinal contatos, mesmo os potenciais, geram possibilidades reais de ascensão, por exemplo, na vida profissional. Mas será que sabemos quais passos éticos a dar nesse processo? Será que sabemos organizar os contatos e mensurar suas reais consequências, por exemplo, na vida afetiva ou amistosa? Será que ganhamos mais do que perdemos ou seria ao contrário? Realmente networking é uma palavra que me incomoda.
Na vida vamos conhecendo pessoas e ambientes; emoções e habilidades; e tudo cria uma sinergia com nosso hipotálamo (gerente da memória), fortalece nossas redes neurais (inteligência) e transforma nossos comportamentos e decisões (córtex prefrontal) para que nos desenvolvamos com boas ferramentas estratégicas e criatividade. Sendo assim, networking é uma expressão que representa uma rede de contatos e de informações com as quais interagimos para ter sucesso, tanto nas relações em si, quanto em ambientes de trabalho. Só que, como tudo realizamos o tempo todo (excesso), networking em tempo integral coloca o ser humano num outro espelho a olhar para si mesmo: menos sensibilidade, menos paciência, menos feeling, menos empatia, menos verdade.
Networking tem lado bom e lado ruim como tudo na vida.
O lado bom são trabalhos e atividades que fazem com que sejamos visualizados por pessoas interessantes e dai surgem grandes oportunidades profissionais e afetivas, além disso, surgem encontros inusitados e estes causam alteração positiva em nossas vidas.
Os ‘networkers ‘:
ð  tem organização e foco;
ð  fazem planos em médio prazo;
ð  criam redes uteis de trabalho;
ð  aumentam seus níveis de influencia;
ð  antecipam ações, gestos e presenças;
ð  pesquisam ambientes em que há possibilidade de retorno afetivo e/ou financeiro;
ð  observam os tempos de forma a reorganização suas redes pessoas e profissionais;

De outro lado, o lado ‘ruim’, aparentemente (e por isso incomoda), os ‘networkers’ parecem:
ð  perder a delicadeza, o olhar carinhoso, além do gesto sereno e parceiro;
ð  ter menos alegria para conviver com as coisas mais simples;
ð  ter comportamentos mais tensos, atentos à emissão e quase monocórdia;
ð  as vezes, ser assolados por uma depressão de algo que não tem mais;
ð  ignorar o outro no processo de conquista / sucesso
ð  perder a noção de ética, principalmente, com os amigos;
ð  separar bem ‘insiders’[1] dos ‘outsiders’ profissionais.

Lógico que, como afirma Pierson (2010, p.15), “de vez em quando devemos ampliar os limites de nossas zonas de conforto, mas isso é totalmente diferente de nos comportarmos de maneiras questionáveis”. É preciso que o ‘networker’ fique atento ao seu entorno de antes: não há presente sem passado; e, no passado, sempre estão pessoas que, um dia, foram importantes nos primeiros planos / objetivos afetivos e profissionais.
Parodiando Pierson (2010, p.36), a necessidade de conhecer muita gente; de focar-se nas pessoas de ‘altas patentes’; de acreditar basicamente no poder do networking constante; de ter o conhecimento de tudo; de conviver apenas com o grupo de retorno certo (networking); e de acreditar que, no processo, se constrói amizades; são mitos do networking e estes não deixam o simples (belo, afeto, sorriso, respiração, olhar, abraço, beijo) acontecer.
Networking em excesso transforma os comportamentos relacionais e afetivos; tende a eliminar o ‘feeling’ (sentimento / sensibilidade) e afastar pessoas outrora importantes porque o foco está em outra dimensão de interesses; causa distanciamento afetivo às vezes insuperável pela falta de percepção sobre até onde essa atitude pode alcançar ou o que se pode atingir / a quem se pode magoar com ela. É uma pena, ainda que seja uma opção e, por outro lado, se pensarmos um pouco mais sério, um grande esconderijo de si mesmo.
Networking como mecanismo de defesa precisa ser melhor esclarecido pela psicologia urgente!
Nunca estivemos fora da conexão. Conexão é nossa forma de aprender e crescer. Agora as formas de conexão é que dependem das nossas experiências e dos nossos objetivos. Nossos afetos e nossas decisões são muito importantes para montar essa plataforma / suporte de informações as quais acessamos sempre que precisamos dar um salto profissional ou dar ‘o pulo do gato’ pessoal. E as pessoas com as quais nos ligamos e lidamos são nossas grandes fontes de energia, de saber e de sucesso; por isso, é preciso ter cuidado com o networking.
Em cada etapa da vida, de forma surpreendente ou a partir das oportunidades, nossas conexões formam ‘networkings’ emocionantes. Mas, de novo, cuidado com o egoísmo e a indiferença. Há conexões afetivas cujo beneficio está no longo prazo. Não se pode querer aproveitar do outro indiscriminadamente em lucro próprio. Isso fundamenta o isolamento e a solidão.
Em muitas leituras sobre o ‘networking’, palavras como reciprocidade e colaboração surgem como maneira de frear quaisquer transformações de perfil de personalidade de quem se dele utiliza por muito tempo. O benefício deve ser mútuo: mesmo com grande experiência, uma pessoa sempre pode aprender alguma coisa com a outra; uma pessoa sempre deve procurar momentos de relaxamento total de quem precisa ser para ser quem realmente é; uma pessoa sempre deve ter espaços para reencontrar sua essência em ambientes e pessoas afetivas e sorridentes. Filosofia? Ilusão? Sei lá... Mas bom demais!
Nós conhecemos muitas pessoas, mas de acordo com nossos desejos presentes ou futuros, é preciso aliá-las às pessoas certas e convenientes. As competências são necessárias, mas as habilidades para fortalecer essas competências (espaços, status e/ou pessoas) são fundamentais. Todos nós precisamos encontrar pontos de referencias ou nos introduzir em grupos que, potencialmente, nos deem indicações. Só que é preciso conquistar e manter sem deixar rastros de mágoas desnecessárias ou inconsequentes.
Quem faz ‘networking’ não pode perder a atenção quanto aos seus contatos presentes e passados. É uma rede de pessoas para potenciais trabalhos e afetos? Sim! Mas também é uma rede de pessoas com sensibilidade e expectativas. Foco, atenção e cuidado faz do ‘networking’ uma ação de qualidade. Tudo dependerá, então, da aptidão social e afetiva de alguém dentro dos links que for atraindo ao seu cotidiano. É um pacto quente com a vida, logo é preciso ser eficiente na construção de relacionamentos interpessoais. Só vivemos o presente. O futuro é pura suposição.
Segundo administrador de empresas e palestrante Max Gehringer, networking é "uma questão de paciência e não de urgência". Na urgência, as perdas são maiores e mais graves; e o preço das coisas e/ou das pessoas torna-se mais importante que seus valores.
Parabéns pela vitalidade do networking em sua vida e cuidado com o tempo de imersão em networkings em que preço e valor têm diferenças tênues porque, em certo momento, ainda que com muita gente ou muitos movimentos na vida, pode-se deparar com a aridez e o silencio de uma casa descolorida e/ou de um mundo cheio de magoados.

Profª Claudia Nunes

Referências:
PIERSON, Orville. O networking eficaz: como se relacionar com as pessoas certas para ter o emprego ideal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.



[1] Segundo Pierson (2010, p.15), os ‘insiders’ são as pessoas que tem posições privilegiadas.

CÉREBRO NO TRABALHO


Os líderes mais inovadores incentivam a inovação, o pensamento criativo e a capacidade de resolver problemas.

Num ambiente de trabalho, se há trabalho, há pessoas; e se há trabalho e pessoas, há objetivos e um fim: lucratividade ou conhecimento ou sucesso. Há o desejo de conquista, de superação e de bem estar, principalmente financeiro. E para alcançar tais metas, é preciso gestão.
O fundamento de toda gestão é crescimento através do esforço humano organizado: todo conhecimento convergem para o desenvolvimento de todos e do ambiente de trabalho. Mas antes de tudo é preciso entender e gerir pessoas em torno de uma mesma emoção, com motivações e ações diversas. A ideia é construir um ambiente intelectual / profissional participativo, colaborativo e solidário.

Essa ação é muito difícil se não houver autoconhecimento das próprias emoções ou quando não se tem a noção equilibrada dos estímulos a que os sentidos entrarão em contato enquanto se experimenta o alcance de determinado fim (aprendizagem, inovação, reconhecimento, liberdade, engrandecimento). Ou seja, a gestão de pessoas exige mentes ‘abertas’ (sistemas nervosos estimulados) às constantes adaptações e transformações dos outros nos outros e para os outros: a gestão de pessoas deve ser uma sinergia positiva e empática. É um diálogo entre sinais elétricos enviados a determinadas áreas cerebrais para que se mantenha organizada uma equipe ou ambiente de trabalho.
Em ambientes de trabalho, ideias, estratégias, criatividades e motivações não faltam. O que falta é inovação e ação. O que falta é aceitar que é preciso mudar, pensar no que é preciso mudar e enfrentar o processo de mudança reconhecendo que o tempo será longo e as pessoas necessárias. Escolas e empresas, por exemplo, encaram essa perspectiva de maneira semelhante: uma quer um produto de sucesso; outra quer pessoas de sucesso.
E o que tem o sistema nervoso tem a ver com isso?
Seres vivos humanos têm sistemas nervosos que funcionamento por causa da convergência de estímulos advinda dos sentidos. As experiências e as vivências de cada um se misturam e há, no processo e nas memórias, várias seleções e adaptações sobre quem é quem; quem confiar ou não; o que fazer ou não; a quem se aliar ou não; quais os próximos passos ou desistências; etc. Tudo isso ocorre em segundos diante da necessidade de participar de uma dinâmica de grupo; um projeto de futuro; uma reunião importante; uma mudança de cidade; uma prova de concurso; etc.
Este é o âmbito do córtex prefrontal: ambiente das decisões. Mas antes dele, antes do lugar que nos torna ‘civilizados’; devemos pensar na evolução das amígdalas cerebrais (emoções), hipocampo (memória) e córtex pré-frontal (raciocínio): nosso sistema límbico (um conglomerado de estruturas situado abaixo do córtex pré-frontal).
A convivência entre pessoas ‘alimenta’ as rotas da sensação cujos órgãos dos sentidos detectam estímulos, convertem a informação em sinais elétricos e os transmitem para as zonas do cérebro especializadas em processas tipos específicos de informação sensorial e transformá-los em sensações. Hoje, além do conhecimento, é imprescindível pensar e agir com inteligência na gestão de pessoas no trabalho porque, antes da efetivação dos trabalhos / projetos, emoções diferentes estão unidas.
É preciso fazer funcionar o cérebro consciente (habilidades emocionais e ferramentas cognitivas), ainda que memória e imaginação estejam sempre em alerta quanto ao desconhecido ou às diferenças de posturas ou emoções. Então, ao gerirmos pessoas no trabalho, devemos desencadear a experiência de realidade no intuito de estabelecer as melhores performances e relações profissionais. Pontos iniciais: autoestima e lúdico. Ou seja, incentivar / provocar a fluência dos currículos óculos; a experimentação dos pensamentos; a presença das diferenças de comportamento; e a liberdade de querer mudar a si e ao processo: estamos falando da presença de serotonina e dopamina (bem-estar e prazer) em fazer parte de algo positivo.
Boas relações se constroem com emoção e pensamentos sobre si mesmo e sobre o que se quer do outro. O ambiente em que passamos boa parte do nosso tempo (o trabalho) demanda tanto um cérebro social, quanto um cérebro emocional. Logo, no contexto do trabalho, emoções podem parecer sentimentos conscientes, mas são movimentos internos, ou seja, são respostas psicológicas aos estímulos, destinadas a nos afastar do perigo e nos aproximar da recompensa.
É preciso treinar o cérebro para entender as diversidades e se manter inserido neste ambiente com mais recompensas do que perigos (ansiedades, preocupações, medos ou irritações). É um processo intenso de adaptação às situações e de transformação interna elaborada pelo sistema límbico.
Pensando nisso, há algumas frases que devemos evitar em ambiente de trabalho, segundo o site ‘universia’. Estas são frases que produzem certa toxicidade à boa convivência entre colegas e podem determinar conquistas emocionais e/ou profissionais. A saber:
1. "Isso não é justo" – Aceite que injustiças acontecem o tempo todo e siga em frente. Não perca o foco ou torne-se vítima;
2. "Isso não é problema meu" ou "Não sou pago para isso" – em momentos estamos no topo; em outro precisamos de ajuda; logo não se neutralize; participe; colabore sempre que puder;
3. "Eu acho que..." – Como você não está ‘procurando’ nada, não tem que achar nada. Tem foco e força; logo ‘eu acredito’ é o melhor;
4. "Vou tentar" – Você pode até pensar ‘eu posso tentar’ porque logo a seguir virá ‘eu sou capaz’; mas tente não falar. Se é capaz não há possibilidade de falha. A falha gera desconfiança e isso não é bom. Assuma e aprenda;
5. "Eu odeio..." – Evite sentir esta emoção e nunca a prouncie. Há uma carga muito negativa. Palavras tem poder e esta é muito forte. Pare de reclamar e faça o que lhe compete;
6. "Mas nós sempre fizemos desse jeito" – Diante de mudanças temos a oportunidade de fazer diferente, experimente. Não a desperdice com ações de sempre (engessantes). Refaça projetos, amigos, ordem, regras. Pratique a flexibilidade cognitiva e resolva problemas;
7. "Isso é impossível" ou "Não há nada que eu possa fazer" – Reveja seus planos ou erros, item a item, para detectar onde houve desvio e reconstrua. Não há nada impossível, apenas o que vc acreditar que seja. É o melhor momento para entender o que significa ‘superação’. Atitudes proativas sempre;
8. "Você deveria ter..." – Se algo deu errado, reveja e encontre novas soluções. A busca de culpados é inútil. Chame e reorganize o grupo para, junto, repensarem novas estratégias. No processo, ofereça ajuda sempre;
9. “Não tenho tempo para isso agora” – Ainda que seja verdade, atenção a quem diz isso. Essa atenção é muito importante. Trabalho é importante, mas a necessidade dos colegas / amigos também. Prioridade é para todos. Ao invés disso, pergunte se você pode ajudar dentro de alguns minutos ou se vocês podem agendar um horário.

Profª. Claudia Nunes

REFERENCIAS


domingo, 26 de junho de 2016

SMARTPHONES: mundo sem música



No meio de uma praça de alimentação de um shopping de subúrbio, numa sexta-feira, chama atenção o número de pessoas com o olhar focado em seus smartphones. Apesar da musica ao vivo, um grande numero de pessoas consegue atenção plena focada em seus smartphones. O que acontece? Estão todos mesmo transtornados? Mesmo em ambientes como múltiplos estímulos basicamente sonoros e visuais, há uma necessidade constante de imergir em ambiente virtual e de acessar múltiplas informações e pessoas em outros lugares fora dali. Parece não haver nada que interrompa essa necessidade. Ideia inicial: a partir da possibilidade de acesso e imersão no mundo virtual, há instalação do vício e este causa transtorno e dependência. Há uma compulsão generalizada.
Em algumas pesquisas norte-americanas observa-se que, hoje em dia, milhares de pessoas são incapazes de permanecer sem o celular e, em muitos casos, com o tempo de imersão, estas pessoas perdem a capacidade de interagir e/ou de manter uma conversa. Cada acesso é como tomassem uma dose adrenalina e dopamina ao mesmo tempo. Euforia e alteração de humor estabelecem outros padrões comportamentais pela constância do acesso e tempo de imersão. Outras formas de acesso dos sentidos cujo resultado seria a qualificação das ferramentas mentais de/para a vida em sociedade ficam prejudicadas, quase inerte e/ou diminuídas. Como todo vício, busca-se a sensação de prazer constante, mesmo em períodos curtos: as pessoas sentem vontade de olhar o celular toda hora, principalmente depois do surgimento de diferentes redes sociais virtuais, com diferentes temáticas, como Orkut, Facebook, Twitter, Linkedin, Instagram, Pinterest etc.
Numa praça de alimentação de shopping, lotada, numa sexta-feira, com música brasileira, ao vivo, essa atitude chama muito a MINHA atenção. A ênfase no pronome possessivo sugere que, para os outros, não há estranhamentos. Parece que não percebem a contradição instalada. Se todos foram assistir e sentir a música por que tantos a ignoram, sem culpa, para estarem em outros lugares longe dali? Estranho... Eu estranho...
Hoje em dia há um nome para esse transtorno: NOMOFOBIA, uma fobia causada pela falta do celular e cuja sensação pode causar pânico, ansiedade, estresse e tantas emoções toxicas. A imersão sem limites no mundo virtual desvincula o corpo e a mente humana do movimento da vida cotidiana tão cheia de surpresas e mudanças e, que por isso, exigiriam do ser vivo humano transformações em suas funções cognitivas e executivas. Os smartphones potencializaram nossa imaginação sobre superpoderes e superherois, afinal com certo grau de invisibilidade, temos o mundo nas mãos e somos quase oniscientes: numa mesa com 04 pessoas sentadas, por exemplo, pode haver mais de 20 conversando inclusive as 04 sentadas ou mesmo nenhuma delas.
O tempo ganha outras limitações ou nenhuma limitação: sentados numa praça de alimentação, resolvemos diferentes problemas, decidimos os próximos passos de nossas vidas, dialogamos com outras pessoas além daquelas sentadas em nossa mesa (as ignoradas), enviamos atividades / respostas para futuros trabalhos ou encontros.
Numa praça de alimentação de um shopping de subúrbio, numa sexta-feira, com música ao vivo, temos dezenas de pessoas se multiplicando em outras tantas dezenas em outros tantos lugares; e/ou temos dezenas de pessoas de corpo presente, mas vazias de presença real. Ou seja, no fim, não há ninguém ali, só eu já que decidi estar, naquela hora, em uma dimensão da vida. Estranho... Eu estranho... Estamos na percepção da dobra delleuziana? Eu não sei... Não é só uma dobra, em que observamos a vivência de uma dimensão real e outra virtual; há uma desconexão profunda tão grande que desaparecemos prazerosamente.
Em outras pesquisas inglesas, observa-se o avanço de outro transtorno: o IAD (Internet Addictio Disorder) = distúrbio da dependência em internet e este é observado justamente quando os milhares de pesquisados são colocados em processo de abstinência. Todos apresentam então os mesmos sintomas dos dependentes em drogas, jogos e comida; ou seja, segundo a pesquisa, quando privados dos objetos de suas compulsões.
Na praça de alimentação de um shopping, estou diante de tudo isso: dependentes, compulsivos e/ou transtornados. A ideia da introdução dos recursos relacionados às tecnologias virtuais em nosso cotidiano era favorecer e ampliar nossas estratégias relacionais já que teríamos mais tempo livre e esta foi cooptada para uma simples troca (inversão?) de atividades (ações = trabalho = tensão): parece que o relaxamento ou o chamado ‘ócio criativo’ é uma ilusão / utopia.
O desejo de conhecer e interagir com o ‘novo’ mundo virtual reorganizou nossas emoções para um foco: o próprio mundo virtual. Resultado: sentidos profundamente embotados e com flexibilidade adaptativa frágil. Os seres vivos humanos, naquela praça de alimentação, não SE desligam para simplesmente SENTIR a musica e o ambiente, e, de repente, PENSAR em si mesmo no ambiente, entre outras pessoas, a partir da música. Há um descontrole generalizado dos comportamentos e de determinadas regras sociais e éticas: se os seres vivos humanos escolheram estar naquela praça de alimentação, naquela sexta-feira, para ouvir música, deveriam estar ali integramente: olhar os outros; atender aos outros; falar com os outros; ouvir os outros; reconhecer e cantar músicas; beber e comer com os outros; enfim, criar um mundo em que o cotidiano de trabalho e responsabilidades esteja guardado para outro momento.
Diante dos smartphones, os seres vivos humanos perderam a noção do TEMPO e da HORA de serem seres vivos humanos e aprenderem o que é serem seres vivos humanos entre outros tantos seres vivos humanos emocionantes e emocionados simplesmente sentindo como pode ser bonita e relaxante a vida de seres vivos humanos juntos na ‘vida real’.
Qual é a minha sensação?
Numa praça de alimentação de shopping, numa sexta-feira: Estou só!
Não vejo ninguém. Só ouço a música...


Profa Claudia Nunes

quinta-feira, 7 de abril de 2016

208 A DOR

Dor contínua: algo desagradável, desconfortável e incapacitante. Aspectos físico-sensoriais e emocionais alterados e desarticulados. Não há experiência pior, principalmente, quando ela se torna crônica. E quando a dor instala-se nas articulações, os movimentos estão impedidos; a vida cotidiana começa a perder sentido e a cama é o melhor lugar pra se esconder. Não há mente saudável que se sustente. Estamos incapazes de nos comunicar facilmente com o mundo e com as pessoas: nunca mais correr, abraçar, pegar, andar, eis os pensamentos que esvaziam nosso vigor. Não há subjetividade nisso: a dor dói mesmo. A engrenagem corporal funcional aos trancos e barrancos; e o cérebro começa a jorrar cortisol nos sistemas: surge a vontade de ‘nada’; surgem mais respostas ‘não’ do que ‘sim’; surge o olhar cinza e a utilidade de solidão; surge o silencio, a falta de humor e o sedentarismo. Assim chega e fica a doença trazida pelo Aedes Aegypis, no meu caso, a Chicungunha. Mais do que febre ou infecção, a inoperância dos movimentos traz muita dor física e também emocional. É um alerta de que, de novo, estamos á mercê da sorte e/ou na mão do outro. É um alerta à nossa fragilidade e limitação orgânica em meio a uma Natureza tão violada por nós mesmos. De repente e sempre, estamos disfuncionais e não há o que fazer. Cinco dias, um mês, seis meses, dois anos: quanto tempo podemos suportar os limites do corpo às nossas vontades e responsabilidades, sem enlouquecer ou deprimir? A dor apresenta a possibilidade de olharmos nosso corpo e nossa mente de outra maneira: diferente; e investe na possibilidade de criar estratégias para retomar o caminho da saúde; mas a questão crônica nos impede de perceber a positividade desse momento. A dor demora. Demora demais. É uma experiência que não desejamos, mas que, de uma hora para outra, nossa pele está alterada, nossa temperatura elevada e nossas articulações travadas / doloridas. E nossas responsabilidades, aquelas que nos distraem do corpo e da mente, não tem como serem descartadas. Saídas de carro, aula com febre, movimentos, toques, tudo continua só que há um novo elemento: A DOR. É pesado! É duro! É desesperador! Tudo dói demais em dupla face: por dentro (efeito da picada) e por dentro (emocional / psicológico). Experiência sensorial sem alinhavo e concordância: só uma vontade louca de deitar e dormir eternamente sem dor. De uma hora para outra, só temos a necessidade de tolerância. Quanto tempo podemos tolerar a dor? Particularmente, tempo nenhum! Essa tolerância sim pode ser considerada subjetiva: ela está relacionada ao tanto de dor já vivido e superado. Tolerância depende também da experiência de / da dor. Além de nos surpreender com o corpo e a mente, nossa individualidade percebe a dor de acordo com nossa experiência de vida. Em dor estamos altamente estimulados na parte afetiva, fisiológica, cognitiva: estamos à flor da pele. Ansiedade, medo e depressão tem uma proximidade bem forte aos nossos pensamentos: são fantasmagóricos e arrepiantes. Vontade de nada mesmo! A dor faz interação direta com o psicologismo do sujeito. Quanto tempo isso dura? Quanto tempo a tolerância é positiva? Estamos alarmados (doloridos). Estamos ‘psicossocialmente’ disfuncionais. E os dias se tornam angustiantes e tristes. Meu sistema nervoso central interpreta assim: agonia. Vou deitar de novo... Claudia Nunes

207 O REAL VALOR DA PÁSCOA

Pensando em Páscoa (Pêssarr, em hebraico = passagem). É um jogo de memória. É uma forma de lembrar que precisamos ter mais humildade, paciência, consciência ecológica, amor verdadeiro, força de vontade e juízo. Sim, devemos reorganizar nossos sentimentos ao encontro de mais juízo e identidade. Nós, humanos, somos luz do mundo, mas sozinhos não iluminamos nada e nem ninguém. Eu e o outro promovemos a fé e a confiança necessárias às promessas, às alianças, ao sucesso, à superação e ao entendimento dos nossos dias sem tantos problemas. Da Natureza, somos as criaturas das mudanças e do pensamento; da curiosidade e da criatividade; logo somos símbolos de uma representação de fé, comunhão e solidariedade. E precisamos de mais libertações das mentiras, das falsidades, das maldades, das indiferenças e das malícias. Páscoa é a lembrança de jantares em família; risos na mesa; trocas de afagos e abraços; conversas francas; sem pressas, desatenções ou celulares. Nós não somos mais escravos de nada ou ninguém; e nem deveríamos optar por sê-lo em nome da modernidade, civilização ou atualização. Não somos mais cordeiros; mas devemos nos ‘alimentar’ de bons fluidos e energias, quando diante de um bem, um bom, uma bonança, um benefício, uma beleza sem orgulhos bobos; e devemos saber juntar e viver as diferenças com respeito e silencio. Silencio é a tônica dos dias atuais sem que se perca a identidade ou a verdade. Silêncio é a tônica da gratidão mesmo se for nossa última opção de bem-estar. Páscoa é herança de fé e de força seja ela sentida como ‘Easter’ (adoração à deusa Ishtar) ou ‘Pêssach’. Páscoa traz o conceito de primavera: reflorescer, revitalizar. Páscoa é a fertilidade de campos, corações e mentes para um novo tempo ou ciclo de vida. Páscoa é uma passagem de vida para uma nova vida cheia de oportunidades e surpresas: daí a representação do coelho (fértil) e do ovo (início da vida). Até os dias de hoje muitas histórias, de culturas diferentes, se uniram para agradecer e entender este momento. Há uma grande ritualização necessária a sensação de renascimento, mesmo que a penitencia seja importante. É um período de parada, entendimento, menos velocidade, mais interiorização, de expectativa sobre morte e ressurreição: metáforas da nova oportunidade de mudarmos nossas formas de viver como lagartas e reviver como borboletas. Eu acredito nisso. Eu acredito muito nisso. Estamos às portas de uma entrada para a verdadeira ‘vida eterna’ e precisamos decidir vivê-la com menos invenções, restrições ou tensões junto aos outros tão importantes em nossas vidas. Páscoa é isso: outra data para decidirmos o que seremos nos próximos dias e quais valores / pessoas nos envolverão com graça, calma e amor. Chocolate é bom; mas o amor ao próximo é fundamental. Claudia Nunes

206 'DEUS não joga dados com o universo'


Quando vivemos nossos sonhos precisamos ter muitos cuidados, principalmente em nossas relações. Nunca devemos ignorar a simplicidade de duas palavras: gratidão e humildade. Mesmo com rios de dinheiro ou holofotes de celebridade não podemos perder a noção de humildade. Nós voltaremos ao pó, mas vivemos a vida esperando não conviver em pó: sozinho, fluido, vagando e sem base afetiva. Precisamos da humildade. O sentido da gratidão é reflexo de nossa humildade sempre. Será que perdemos isso? Será que ficamos tão duros ao ponto de aceitar a soberba ao invés da humildade? Os tempos estão difíceis e confusos. Mas viveremos com os outros, e onde estará a amizade? Sem humildade, difícil ser amigo. Mesmo se alcançarmos todos os degraus dos desejos, os outros sempre serão a participação especial nesse processo. Precisamos ser humildes mesmo! E assumir a responsabilidade de, apesar de conquistadores, manter um olhar em nossos pés (casa, amigos, afetos) sem as prepotências dos ganhos obtidos. Sejamos humildes! Ninguém é melhor ou pior que ninguém. Dignidade, respeito e honestidade, por exemplo, são ganhos de homens de bem em todos os setores da sociedade. Fama, sucesso, dinheiro são importantes? Sim, lógico, mas há algo a se lembrar sempre: somos limitados, temos limitações, não somos perfeitos. E a modéstia, nossa melhor amiga e fonte de atitudes positivas, sempre nos possibilitará elevação espiritual, tão importante ao futuro quando fama, dinheiro e sucesso estiverem em outras mãos. Tenhamos humildade quanto ao modo de vida; às posses; ao jeito de agir e falar; às escolhas; às decisões; às formas de afeto das outras pessoas; afinal as experiências são diferentes e merecem nosso melhor sorriso, cuidado e respeito sempre. Humildade abre um leque para empatia e simpatia, e constrói uma vida quase isenta de solidões e mal-entendidos. Sim, os pouco humildes sofrem demais, afinal suas fraquezas estão disfarçadas com a chamada personalidade. Há uma capa fina os protegendo das invasões e das perdas. Os ‘sem humildade’ não sabem perder e por isso tem um manto de invisibilidade: são duros, marrentos e arrogantes. Perderam a noção do amor e da delicadeza com o próximo. E se desculpam porque a vida não lhes deu trégua até serem o que são. Pena! Triste! Sem humildade, as pessoas são encaradas como perigosas, invasivas, inúteis, descartáveis. Sem humildade, a tal personalidade se sente superior e, como um trator, passa por cima das pessoas, mesmo as que mais ama, sem lembrar que o amanha existe. Eles acreditam sinceramente que são melhores e não mais se lembram da virtude de um abraço simples, de um silencio respeitador, de um sorriso aberto ou de um papo livre de senões ou certezas absolutas. Sem humildade, a vida é uma tensão constante e cheia de orgulhos bestas. Por favor, sejamos humildes! Em meio ao sucesso, sejamos cordiais, hábeis e simples. Não há glória na solidão, nas inimizades, nos desencontros, nas perdas que a falta de humildade oferece. Todos somos iguais, apenas alguns souberam aproveitar as oportunidades da vida e alcançaram outros patamares de aprendizagem. Há de haver humildade para saber escutar, falar, sentir, rir, esperar, se desculpar, se abrir ao novo, ignorar pensamentos ruins, esvaziar-se de preconceitos e ser feliz junto, nunca separado. Humildade é a virtude central da vida em vida e para vida. Ela é testada todos os dias talvez para confirmarmos ou não nosso merecimento a partir de nossas atitudes e ações. Humildes, mas com atitude. Humildade, mas com elegância. Humildade, mas com limites e delicadezas. Não há rebaixamento nisso, é o reconhecimento humanizado e real de nossas falhas. Fertilizamos nossa vida através da humildade sem pieguice. Não neguemos esse sentimento. Não ignoremos sua força. Não descartemos sua enorme energia transformadora. Nossos sonhos podem ser realizados, mas exigem disciplina e simplicidade para construi-los objetivamente. A humildade se compromete, realiza, alcança, conquista, compartilha e nos disponibiliza para saber mais e melhor junto com os outros. Humildade é junto; o orgulho é separado e estagnado. Não há movimento no orgulho. Sofremos da aparência do movimento porque nos orgulhamos de quem somos e do que conquistamos; quando deveríamos aprender e agradecer o tempo de luta até reconhecermos quem somos e o que conquistamos. Sejam sociais e menos possessivos. Nada é seu; tudo pode favorecer a todos. Não desejemos grilhões; desejemos portas abertas e um livre trânsito de emoções e pessoas que possam nos ajudar a continuar crescendo: isto é humildade! Se o mar quisesse ser o primeiro, se quisesse ficar acima de todos os rios, não seria mar, seria uma ilha. E certamente estaria isolado. Sócrates já dizia ‘só sei que nada sei’. Este é o ponto da humildade. Esta é nossa busca eterna: sonhar, agir, aprender e conquistar sem escravidões orgulhosas. Humildade é um valor, não uma condição: e é para vida toda. Àqueles com humildade sabem que nada sabem e procuram aprender sempre; sabem dar valor a quem lhes ajuda ou ajudou; sabem conviver com as diferenças sem exigir que provem quaisquer coisas ou que o outro seja o que não é. Pessoas, sejamos humildes e, com certeza, nosso mundo entrará em uma rotação mais positiva e feliz com a Naturezal. Aproveitem, afinal, como afirma Einstein, ‘Deus não joga dados com o universo!’.  Claudia Nunes

204 RETORNO À OUTRA DIMENSÃO


Vamos voltar à sala de aula adolescente!
Corpo e mente estão eletroquimicamente se organizando (e alterando) para este novo momento na vida de milhares de profissionais da educação. Mesmo aqueles mais cansados, desiludidos ou indiferentes, sempre há uma ponta de expectativa quanto ao retorno ao trabalho e ao que encontrarão como aprendente. Em ambos os lados dessa balança chamada ‘ensino-aprendizagem’ há sonhos, vontades, esperança de realizar um bom trabalho ou de ser um bom aluno.
As férias são importantes para a neuroplasticidade profundamente positiva: somos professores e humanos; logo a distração, prazer, o tempo vago (vagando), a família, os amigos, reestruturam a composição orgânica e mental porque tem seu tempo de vivência intensa e livre. Noradrenalina, serotonina e dopamina renovando corpo e mente: é a esperança ganhando espaço. Neste sentido (e tempo) pensamos o futuro e sinceramente imaginamos um tempo mais promissor sempre ‘da próxima vez’. Parece que há múltiplas dimensões / realidades e com elas convivemos todos os dias até as férias; daí em diante, Sangrilá se estabelece e vivemos dias de reorganização emocional. Em férias, eu vivo a cultura carioca e em geral, e penso constantemente no que posso me rever como profissional, mas sou assolada por uma tristeza enorme: meus alunos não tem a mesma oportunidade.
Na volta à sala de aula adolescente, penso em meus alunos e nos planejamentos. Eu preciso planejar um ano inteiro, em língua portuguesa e literatura, para quase 110 alunos, de 2º e 3º anos do Ensino Médio público, turno da noite. E a pergunta primeira é COMO?
Do subúrbio carioca, de contexto semiviolento, qual é a dimensão cultural vivida / experimentada por eles, de forma a favorecer o aprendizado de língua portuguesa e literatura? Pelo que escuto e observo, é quase nada. Fora do tempo da escola, estão na vida como vagalumes: atraídos por quaisquer luzes bonitas que os façam distrair de suas mazelas diárias. E eu vou voltar a essa dimensão. Em sala as duas dimensões: a minha e a deles. Não é só uma crise geracional; é uma crise de oportunidades. É uma viagem sem luxo ou paz, e, quase sempre, na base dos conflitos.
Sou otimista, mas, em quase 10 anos, volto para um profundo processo de nadificação intelectual e social. Os alunos passaram as férias trabalhando (único momento fora do contexto); em festas; namorando sem qualidade; cuidando dos irmãos menores; em meio a violências; sendo violentos ou maltratados; brigando; vagando; nas esquinas e bares; nas madrugadas sangrentas; sem paz carinho, amor, novidades, leituras, informações, limites, silêncios e sono.
Mesmo sendo seres vivos humanos adaptados aos seus ambientes e necessidades; são zumbis do seu tempo e das oportunidades. E de novo o ano recomeça e só o que temos é o que Pandora prendeu: a esperança.
Vamos tentar novamente mudar os rumos e os olhares desses grupos de alunos que chegam ou retornam às escolas.

Escola como salvação? Não! Mas escola como espaço das possibilidades e onde devemos tentar, tentar e tentar oferecer outros conhecimentos, com criatividade e muita, muita paciência.          Claudia Nunes

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...