terça-feira, 31 de julho de 2012

E O CÉREBRO REINVENTA...


Há muito tempo desisti do ‘quadro de giz’. Língua Portuguesa e Literatura podiam ser reinventadas. Apresentá-las paulatinamente aos aprendentes tinha que acontecer em outra dimensão, de outro jeito e, principalmente, com outros objetivos. Duas palavras borbulham em minha mente tal e qual um mantra: ritmo e repetição. Depois de compreendido o contexto de onde vêm meus aprendentes, ritmo e repetição são minhas palavras de ordem.
Mas como (me) reinventar? Como ativar essa engrenagem de sentidos em práticas mais prazerosas sem perder significância em meio a cada etapa do ensino e da aprendizagem? Só tenho uma opção: fazer diferente. E fazer diferente era me articular com outras formas de ensinar, outros recursos, outros olhares sobre meu aprendente; fazer diferente era provocar mutações em mim, em minha formação e, por consequência, em minha sala de aula.
Primeiro movimento: entender a dinâmica intrínseca da minha sala de aula. Ai eu reconheci que o tempo de aprendizagem deve ser usado (e organizado) de outra maneira: eu precisava causar surpresas, sustos, estranhamentos. Então segundo movimento: por motivação, ritmo e repetição, a aula precisava se articular dentro de práticas cujos resultados fossem descobertas variadas e a produção de novas conexões cerebrais e mentais em torno dos conteúdos. Mais do que quantificar era preciso qualificar as mentes curiosas para aprender, ainda que não se percebam assim.
Ainda hoje em dia, diante de um educador encontram-se mentes com potenciais de ação inimagináveis e que, por isso, demandam transformações nas estruturas de ensino. Ainda hoje em dia, diante de um educador encontram-se 86 milhões de neurônios cheios de informação e totalmente interconectados esperando estímulos (excitações) que empreendam dinâmicas neocorticais (sinápticas) variadas. Estes estímulos (desafios, atividades individuais, trabalhos em grupo e/ou dinâmicas) são importantes para nutrir, tonificar e fortalecer os cérebros de maneira a prevenir, ampliar e resgatar capacidades e habilidades mentais; além disso, entram em perspectiva com as expectativas discentes porque são sentidas como mais agradáveis, reais e focadas em seus contextos pessoais ou intelectuais.
Ao rompermos com conjuntos estáticos de comportamentos com a crença de que ‘sucesso do passado deve ser reproduzido’, ou ao rompermos com a estrutura tradicional de ministrar aula, rompemos com a linearidade do pensamento, rompemos com as zonas reflexivas de conforto (exercícios descontextualizados) e rompemos com determinadas desconcentrações, desatenções e indisciplinas. É uma questão do timing perceptivo docente.
Numa turma de 2º ano, do ensino médio, à noite, eu tenho 32 alunos frequentes. Em sua maioria, rapazes. Desde o início do ano letivo, eu percebia forte indiferença com a Literatura, além de grande dificuldade com a Língua Portuguesa. Enquanto outras turmas de 2º ano iam muito bem, esta turma teve primeiras avaliações muito ruins. Ai era a minha vez de pensar: o que fazer? como promovê-los?
Passei um fim de semana pensando. Eu não tinha feito um link com esses cérebros. Minhas práticas não foram pertinentes. Eu tinha a afetividade (sistema límbico) equilibrada, mas não alcançara o patamar do neocórtex de maneira que eles aprendessem para a vida, para a vivência autônoma da própria subjetividade em outros ambientes. Era então preciso influenciar o sistema nervoso diretamente e provocar a evocação mnemônica pessoal de maneira mais contundente. Era preciso mudar o comportamento cognitivo. Mas antes, eu precisava mudar.
No domingo, sem conseguir concentração para leitura, deixei a TV no canal MTV e fiquei vendo clipes de músicas. De repente, tive um insight: todos gostam de música! Cada clipe conta uma história. A partir dessas historias posso trabalhar fundamentos da literatura e língua portuguesa. Mas como seria a dinâmica? Com a música, eu atingiria os 05 sentidos, modificaria os ritmos intrínsecos dos cérebros e atingiria emoções apropriadas, memórias e certos comportamentos. Além disso, segundo Lent, ao ser estimulado e dependendo do ambiente, o cérebro se reorganiza, se adapta e aprende. Mas como?
Bem, pensei muito e fiz o seguinte: ao final da aula, apresentei a ideia sobre os clipes e pedi que trouxessem, em DVD, clipes de HIP-HOP que contivessem uma história, ou seja, clipes cujas letras das músicas fossem representadas por histórias. Eles ficaram animados, perguntaram mil coisas e de repente eu tinha muito material para escolher. Meus cérebros estavam atentos, participativos e ansiosos pelo que eu faria. Separei aleatoriamente os clipes e levei na semana seguinte.
Interessante como a presença de material eletrônico em sala já dá um up à futura dinâmica. Eles se interessam, olham, se aproximam e se oferecem para ajudar a ligar tudo: eles mexem em tudo sem medo. Depois de um tempo percebo que não há o ‘entra-e-sai’ de sala porque a perspectiva de algo diferente e a curiosidade são tão grandes que o ‘fora-de-sala’ é esquecido. Meus cérebros estão em plasticidade total e, segundo Lent, respondendo positivamente aos estímulos do ambiente não apenas com alterações funcionais imediatas, mas também com alterações de longa duração, algumas das quais podem se tornar permanentes.
Eles montaram tudo. Eu os deixei sentar em qualquer lugar, mesmo em cima da mesa. Ações iniciais: eles viram cada clipe e anotaram (descreveram) que historias foram vistas (narradas). Eles viram 08 clipes. Depois troquei todas as anotações e pedi que completassem a história do colega com detalhes esquecidos, se fosse o caso (dissertação e argumentação). Ai ‘destroquei’ tudo e pedi, oralmente, que separassem alguns elementos a partir de seguintes perguntas: onde aconteceu, com quem aconteceu, quando aconteceu, como aconteceu (elementos da narrativa). A partir disso discutimos alguns clipes (valores, ética, perda) e pedi que refizessem os finais de dois clipes a escolher (escrita e interpretação). Ao final apresentei os elementos da narrativa e expliquei o que é texto (tipos de) e suas formas de interpretação.
Na aula seguinte, aproveitamos as escritas e trabalhamos o substantivo, o adjetivo, o artigo e alguns pronomes (classes de palavras). Menos classificação e mais compreensão sobre a participação dessas classes de palavras nos sentidos que queremos dar aos nossos pensamentos. Ao final do trabalho e até hoje escuto: “e ai professora, vamos fazer algo diferente hoje?” Ou “poxa professora, entendi muito melhor agora o que é interpretar, é difícil mesmo né?” Ou ainda ‘não perco mais suas aulas, sabe-se lá o que vai acontecer?”
Estou satisfeita, porém o movimento de transformação (e inovação) não pode mais retroceder: não posso mais me dar ao luxo de perder esses cérebros para o nada; preciso continuar ‘antenada’ e manter a motivação, o ritmo e a repetição. As mudanças geraram novas necessidades de aprender, de conhecer, de entender outros assuntos; e geraram também confiança para perguntar o que quer que fosse. Estavam motivados! E por que, de repente, essa motivação?
A dinâmica abriu espaço para que eles se apresentassem como seres pensantes reais, proporcionou abertura para criatividades cognitivas objetivas e melhoria nos relacionamentos interpessoais. O desenvolvimento da atividade gerou reflexos positivos no contexto da sala de aula e aumento das capacidades verbal, auditiva e visual da maioria dos aprendentes. Minha sala de aula estava emocionada!
Faço minha então, a questão que levanta Lent: não é a educação a prática social que objetiva mudar as pessoas, capacitá-las a realizar tarefas e comportamentos, ensiná-las a executar operações mentais sofisticadas e complexas e viver em sociedade segundo normas vantajosas para as coletividades? SIM! Então, um bom meio para isso é fortalecer o sistema atencional do aprendente com práticas desafiantes cuja repercussão seja uma forte alteração cerebral e o uso pleno das funções cognitivas em geral.
A mudança de ritmo da sala e a repetição de atividades diferentes vão incorporando outros hábitos à cognição discente, o que gera eficiência no tratamento dos desafios seguintes. É afetar o corpo caloso no meio dos hemisférios cerebrais e energizar a mielinização das sinapses. É entender que para aprender, é preciso prestar atenção. E pode-se aprender a prestar atenção.
Hoje realmente outra questão me incomoda: por que tantas reclamações sobre a superficialidade das cognições de nossos alunos? Se esta suposta superficilidade for um fato, qual é o papel do professor hoje? Só reclamar? Eu reconheço que há outros senões embutidos nessas reclamações, mas será que há disposição para mudar e assim criar um clima melhor na sala de aula, quiça na escola? Eu não sei. Isto demandaria outra análise séria. Porém acredito que seja preciso outras posturas profissionais diante do outro que se desconhece e que está ali, na escola, na expectativa de aprender ou de ser (fazer) diferente.
Mesmo hoje em tempos líquidos, mais velozes, de forte integração das novas tecnologias virtuais, continuamos recebendo aprendentes em nossas escolas. Aprendentes com características cognitivas diferentes? É, pode ser, esta é uma discussão que vai longe, mas são aprendentes, estão dentro da escola e precisam aprender a aprender para fazer, ser, conhecer e conviver em sociedade. E ai ao professor não cabe se isentar deste processo: somos muito importantes sim!!!!! Só que precisamos remodelar nossas práticas diante dos ‘novos’ alunos e seus ‘novos’ comportamentos em geral.

Profa Ms Claudia Nunes

LER ON E OFF 'LIFE'



Estou de férias. Hora de guardar as rotinas e criar outras mais leves, animadas e imperfeitas. Isso! Férias é o momento das imperfeições, de agir ao sabor de um estalo e de acordar quando os olhos se cansam de estar fechados. Sem muitas regras ou horários, temos o direito de nos desconcentrar e agir realmente nas incertezas do puro prazer, mesmo que isso signifique fazer nada. Nada é um palco de maravilhosas orgias mentais.
Estou em férias e só penso nas leituras que posso fazer. Ler é o meu descanso, meu devaneio, minha forma de limpar o cérebro. Este é o período das escolhas avulsas e despretensiosas. Não há um fim, o prazer está no meio ou nos meios. E nisso minha estante está repleta. Muitos livros sem ler. Muitos livros guardados na esperança de um toque. É bom não saber o que escolher com tantas escolhas à frente. Em férias mexo em todos os meus livros. Todos têm histórias, marcas, importância. E fico embalada por qualquer leitura que me faça feliz.
Em férias, estou com o cérebro aceso, atento e em expectativa: que mundos vai conhecer? que cenas irá vivenciar? que informações lhe encantarão e modificarão? Porque é isso: a leitura prazerosa acelera as conexões neurais e garante a contínua relação entre neurônios, pensamentos e emoções. Ou seja, a leitura é o exercício de adaptação cerebral e de transformação pessoal de qualquer sujeito. Ai sem querer, eu me pergunto: o que aconteceu com esse cérebro do impresso ao virtual? Será que há a mesma funcionalidade / plasticidade quando relacionado com as letras, cores e imagens em ambiente virtual? Eu acredito que sim.
A leitura carrega uma energia hipertextual porque conecta o cérebro em múltiplos pontos de força. Em input e/ou por output, os sistemas cerebrais são transpassados por informações gráficas, sequenciais, sonoras e textuais complexas e ininterruptas. Tudo o que sempre se fez no campo do imaginário, agora é realizado em âmbito virtual e velozmente. É outro processo de assimilação, associação e armazenamento eletroquímicos. São hipotálamos com outros tipos de controle mnemônico. São novas habilidades corticais e emocionais envolvidos na ideia de sobreviver, se integrar e colaborar com uma realidade cheia de possibilidades.
Estou de férias e penso: que cérebro é esse que chegou e se adaptou tão rapidamente às ações do ambiente virtual? É um cérebro cujos centros visuais estão em excessiva atividade. É um cérebro que exige mais occitocina, serotonina e adrenalina para realizar diferentes atividades em tempo record. E é um cérebro com infovias neurais mais densas e largas à passagem de informações e o acontecimento da aprendizagem. Mas o tempo é curto e a atitude sináptica, diante do tempo curto, é impressionante. Ler aqui é uma ação da prática, e não reflexiva. Ler aqui é uma ação de uso, e não mais uma sugestão estimulante de um potencial.
É verdade que o cérebro se adapta a quase tudo, mas, ao se adaptar, ele se desapega (descarta?) de memórias anteriores e de algumas habilidades. É a limpeza a qual mencionei antes. As experiências se sobrepujam e o mais interessante é o que as constroem hoje e não o que se pretende com as mesmas amanha. Neste sentido, com a velocidade de apreensão imprimida, muito das capacidades neuronais são consumidas e sobra pouco para outras habilidades, ou mesmo, dificulta muito o acontecimento de operações mentais muito importantes ao cotidiano como interpretar, analisar e argumentar.
Hoje, em férias, reconheço que os sujeitos sempre transitaram entre dois mundos: o online e o offline. E ambos difíceis de se linkar porque demandam do cérebro, forças neuronais associativas muito intensas em pouco tempo. Entre nativos e imigrantes digitais, esta é a diferença. Daí ler e entender o significado da leitura serem atos tão problemáticos, quanto os primeiros momentos em que se aprende a andar de bicicleta. Há desgoverno, desequilíbrio, estranhamento e várias quedas. É um processo de adaptação cerebral cuja realização gera mutações, por exemplo, nas atenções e ações dos hemisférios cerebrais. Andar de bicicleta e aprender a ler requerem ajustes profundos na natureza, no imaginário e no pensamento humano.
Começo a pegar e ler partes de livros sobre novas tecnologias e outros sobre neurociências. A informação rápida (informática) realmente modificou nossas memórias biológicas, sociais, históricas e afetivas. Estamos sob os efeitos das tecnologias digitais e virtuais em todos os espaços do cotidiano. E isso, de um lado estende nossas possibilidades de alcançar múltiplas informações, de estabelecer contatos e de ampliar nossos campos de ações profissionais; mas de outro, podem comprometer a atenção e a concentração, criar desentendimentos sobre o que é a realidade e estimular uma dependência tecnológica cujas áreas da saúde e da psicologia são constantemente acessadas.
Em alguns livros, cheguei a ler que mais do que na Era da informação estamos na Era da Ansiedade. Mas o que isso tem a ver com a leitura? Ora se os cérebros estão modificados ou estão se modificando ao sabor das escolhas on ou off ‘life’, ler é algo que a chamada ‘geração Y’ faz de outra forma, noutra dimensão e a partir de uma realidade completamente diferente, e essa relação, cérebro e realidade, será mesmo muito diferente.
Estou de férias e com o cérebro quase queimando. Que leituras podem despertar o prazer de ler? que textos podem estimular neurônios tão recheados de informações adversas sobre si mesmo? que cérebros são esses que estão comigo o ano todo na expectativa de aprender a ler e a escrever sem angústias ou baixa auto-estima? No meu caso, são cérebros em conflito, em busca de identidade e se experimentando sem regras em diversos ambientes; são cérebros usando novas tecnologias com menos afetividade e mais praticidade e lucro fácil; são cérebros imersos em mundos imaginários (e virtuais), se criando em avatares cujas ações são controladas apenas pelo próprio desejo, pelo mouse e pelo teclado do computador; são cérebros experimentando manejos emocionais diferentes porque o córtex parietal está com os sentidos disfuncionais; e são cérebros em processo de reestruturação mental em solidão.
Conclusão: ler é muito difícil porque requer operações mentais complexas e contínuas que, no processo evolutivo, não foram aprofundadas. E sem resolver este problema, viver-se-á para sempre esta Era da Ansiedade cujas emoções pessoais estão cada vez mais flutuantes e desconexas. O melhor dos mundos? O convívio com sujeitos equilibrados e com múltiplas habilidades corticais voltadas para o bem de todos e do meio ambiente. O pior dos mundos? Hoje!
Férias é um tempo conturbado e cheio de surpresas!

Profa Claudia Nunes

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...