quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

JUSTIÇA? Cansei!

Uma das coisas que mais escutei na vida foi: “veja e leia jornais e revistas, e aprenda mais”. Com o tempo, e como profissional de educação, pude ratificar essa opiniao: realmente jornais, revistas (impressas ou digitais) e documentários são importantes para trabalhar a cognição de maneira diferente, mais autonoma, mais lúdica e mais eficiente do que as tradicionais formas de apresentação dos conteúdos em nossas salas de aula. Mas isso demanda um profissional aberto, flexível, surpreendente e leitor: assim dizia meu avô, mas isso é outra discussão. Por que estou falando isso? Porque mudei de idéia: particularmente eu nao quero mais ver televisão!

Nos últimos anos percebi que fui descartando vários de seus gêneros: primeiro as novelas; depois programas de auditório; alguns programas de entrevistas; programas de comida; etc. Resistiram certos shows, certos filmes, alguns documentarios, os programas de musica e humor, e os jornais. Afinal, dizem, preciso estar antenada quanto aos acontecimentos do mundo de hoje até porque trabalho com jovens e adultos. Ainda assim: desisti! Todos os dias, ligo, desligo e ligo a televisão para me informar e o que vejo: a cultura da dor ou a cultura da piedade, e pior, a cultura da ignorancia quanto às necessidades reais do nosso povo: saúde e educação.

Em todos os jornais, a idéia é quanto mais terrível, empático e real a dor/tragédia for mostrada, mais o indice de telespectadores aumenta, mais lucro se tem e mais tempo o programa fica no ar. Hoje tiraram uma menina de 1 ano e meio das aguas de um lago depois de ficar imersa mais de 20min. Uma cena chocante repetida em todos os jornais por horas a fio até às 2h da manha! Uma loucura! Para que isso? Por que só isso ganha tanto espaço em todos os horários televisivos? As pessoas não querem apenas pao e vinho, eu sei, mas também nao querem se perceber existentes apenas na dor ou na dor do outro! Hoje eu entendo o que quer dizer TAMBÉM a expressão ‘o sangue faça mais alto’, percebem?

Nesta perpectiva, hoje eu escutei a palavra ‘JUSTIÇA’ umas 12 vezes. Gente arrasada gritando, chorando, berrando por justiça por que suas vidas foram atacadas pela crueldade humana e um dos seus desapareceu por motivo nenhum (torpe)! Será que editores e produtores desses jornais nao percebem que incutem nas mentes, por repetição, mais selvageria, crueldade, depressao, tristeza nas pessoas? Lógico que alguns dirão que o dever dos jornais e revistas é informar (concordo), mas dentro do sentido da palavra informação existe uma multiplicidade de temas que tb interessam à população, mesmo os de baixa renda.

A sensação que tenho tido esses dias é de que JUSTIÇA é apenas o nome de uma deusa titânica e que, ao lado de Zeus, o aconselhava. Nada mais do que uma história mitológica. Esta titã é mãe (dona) das Horas e das Moiras (Cloto, Láquesis e Àtropos, fiandeiras do destino) e, por mais que seja bravamente invocada, ela sempre aceita os destinos e precisa de muito tempo para esclarecimentos, resoluções ou mesmo, (o que é normal no Brasil de hoje) esquecimentos.

Entao esse povo está conclamando inutilmente? Eu nao sei, só posso falar de mim. Eu sei é que estou cansada de me informar SÓ sobre a dor, a tragedia, o espetáculo bufo da vida do outro contada apenas para gerar lucro ou dar mais ‘famosidade’ à alguem. Eu me sinto impedida de viver a vida com respiração tranquila. Desligar a televisao é fácil, mas como desligar a mente? Como desligar e mudar a plasticidade cerebral em prol das informações e nao do sangue e da dor apenas? Como meus alunos, do Ensino Médio, poderão selecionar e/ou analisar a mídia informativa hoje se só temos a visualização da agressividade, da malandragem, da corrupção e das múltiplas tragédias todos os dias o tempo todo em suas vidas? Como fica o meu papel diante deles se nem eu aguento mais isso?

Gente, adoro a democracia. Adoro que mostrem pontos onde nossos governos pecam ou nem tem a menor vontade política de melhorar. Adoro programas que dão voz à população. Vocês por um acaso viram o programa “Papo de polícia’, no canal Multishow? Fantástico! Ainda que na TV fechada, vimos, no “Alemão” (comunidade da moda), dramas sérios e projetos maravilhosos que muito pouco foram mostrados na mídia em geral antes da invasão! Vimos um povo nobre que analisa objetivamente seu contexto, que se emociona quando se reconhece como humilhado ou esquecido, que sorri quando pode mostrar seus valores e sua arte. É um povo de baixa renda, mas não de baixos conceitos ou baixas espectativas.

Mas em nossa população só tem desgraçado? Miserável? Familias destroçadas ou assassinadas? Sinceramente nao sei... Mil e um projetos bacanas acontecendo pela cidade, nas comunidades, bibliotecas, escolas, ar livre, restaurantes e só interessa aos ‘humanos editores e produtores’ de TV nos mostrar repetidamente ‘a dor de ser o que somos’ de maneira primitiva?

Hoje cheguei a uma conclusao: JUSTIÇA é artigo de luxo e mesmo ‘gritada’, aos quatro ventos e a plenos pulmões, é soberba e ignora totalmente sua premissa: realizar-se em respeito à igualdade de todos os cidadãos. Como cheguei a essa conclusão? Nosso povo pede justiça HUMANA! É o adjetivo que gera problema! Ai, além de cega, está podre e tetraplégica! O humano é virótico e egocêntrico sempre! Quando no poder, uns trates! E nosso povo permanece crente demais. Eu desisto porque sei que Hegel estava certo: o drama não é a luta entre a justiça e a injustiça, é a luta entre dois direitos igualmente justos. A justiça não é um dom gratuito da natureza humana, ela precisa ser conquistada sempre porque ela é uma eterna procura.

Profa. Ms. Claudia Nunes

Educação de Quarto Mundo (Lya Luft)

"Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso?"

No meio da tragédia do Haiti, que comove até mesmo os calejados repórteres de guerra, levo um choque nacional. Não são horrores como os de lá, mas não deixa de ser um drama moral. O relatório "Educação para todos", da Unesco, pôs o Brasil na 88ª posição no ranking de desenvolvimento educacional. Estamos atrás dos países mais pobres da América Latina, como o Paraguai, o Equador e a Bolívia. Parece que em alfabetizar somos até bons, mas depois a coisa degringola: a repetência média na América Latina e no Caribe é de pouco mais de 4%. No Brasil, é de quase 19%.

No clima de ufanismo que anda reinando por aqui, talvez seja bom acalmar-se e parar para refletir. Pois, se nossa economia não ficou arruinada, a verdade é que nossas crianças brincam na lama do esgoto, nossas famílias são soterradas em casas cuja segurança ninguém controla, nossos jovens são assassinados nas esquinas, em favelas ou condomínios de luxo somos reféns da bandidagem geral, e os velhos morrem no chão dos corredores dos hospitais públicos. Nossos políticos continuam numa queda de braço para ver quem é o mais impune dos corruptos, a linguagem e a postura das campanhas eleitorais se delineiam nada elegantes, e agora está provado o que a gente já imaginava: somos péssimos em educação.

Pergunta básica: quanto de nosso orçamento nacional vai para educação e cultura? Quanto interesse temos num povo educado, isto é, consciente e informado - não só de seus deveres e direitos, mas dos deveres dos homens públicos e do que poderia facilmente ser muito melhor neste país, que não é só de sabiás e palmeiras, mas de esforço, luta, sofrimento e desilusão?

Precisamos muito de crianças que saibam ler e escrever no fim da 1ª série elementar; jovens que consigam raciocinar e tenham o hábito de ler pelo menos jornal no 2º grau; universitários que possam se expressar falando e escrevendo, em lugar de, às vezes com beneplácito dos professores, copiar trabalhos da internet. Qualidade e liberdade de expressão também são pilares da democracia. Só com empenho dos governos, com exigência e rigor razoáveis das escolas - o que significa respeito ao estudante, à família e ao professor - teremos profissionais de primeira em todas as áreas, de técnicos, pesquisadores, jornalistas e médicos a operários. Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso? Quando empregarmos em educação uma boa parte dos nossos recursos, com professores valorizados, os alunos vendo que suas ações têm consequências, como a reprovação - palavra que assusta alguns moderníssimos pedagogos, palavra que em algumas escolas nem deve ser usada, quando o que prejudica não é o termo, mas a negligência. Tantos são os jeitos e os recursos favorecendo o aluno preguiçoso que alguns casos chegam a ser bizarros: reprovação, só com muito esforço. Trabalho ou relaxamento têm o mesmo valor e recompensa.

Sou de uma família de professores universitários. Exerci o duro ofício durante dez anos, nos quais me apaixonei por lidar com alunos, mas já questionava o nível de exigência que podia lhes fazer. Isso faz algumas décadas: quando éramos ingênuos, e não antecipávamos ter nosso país entre os piores em educação. Quando os alunos ainda não usavam celular e iPhone na sala de aula, não conversavam como se estivessem no bar nem copiavam seus trabalhos da internet - o que hoje começa a ser considerado normal. Em suma, quando escola e universidade eram lugares de compostura, trabalho e aprendizado. O relaxamento não é geral, mas preocupa quem deseja o melhor para esta terra.

Há gente que acha tudo ótimo como está: os que reclamam é que estão fora da moda ou da realidade. Preparar para as lidas da vida real seria incutir nos jovens uma resignação de usuários do SUS, ou deixar a meninada "aproveitar a vida": alguém pode me explicar o que seria isso?

Lya Luft (Revista Veja - Edição 2150 / 03.02.11)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

VAMOS FAZER JUNTOS? (Papo de Polícia)

Esta foi a senha para atingir a emoção do telespectador hoje no Multishow. Esta foi a senha para que as pessoas se desviassem de seus afazeres, mudassem de posição e reconhecessem de onde vinha a pergunta. ‘Vamos fazer juntos?’ é a parte do marketing do Banco Santander, parceiro do programa ‘Papo de Polícia’ que estreou hoje às 21h20min.

Todavia ‘Vamos fazer juntos?’ é a pergunta que não quer calar nestes tempos de pacificações e de incentivo às propostas e projetos de mudança de comportamento social diante da polícia. Há um mote bacana permeando isso: transformar idéias e emoções precisa de diálogo, principalmente, entre os diferentes. Não há porque se manter um estigma diante das informações e ações que temos compartilhado nos morros (comunidades, favelas) cariocas. É preciso aprender a pensar por si só dando chance ao outro de ser o que é ou de ser algo diferente para analisar. É preciso dar a outro a possibilidade de optar, escolher, e gerenciar sua vida dentro de parcerias mais reais e mais calmas.

Hoje eu vi o primeiro programa ‘Papo de Polícia’ e me lembrei de um livro que li a uns 04 anos chamado ‘À Conspiração Aquariana’, de Marilyn Ferguson. Tirei-o da estante e ao folhear me deparei com vários trechos que, no geral, sugeriam que, realmente, o mundo, hoje, vem solicitando uma nova mentalidade quanto aos nossos valores e conceitos, tomados como certezas absolutas. Somos eternos emigrantes de nosso tempo e de nosso lugares. Emigrantes porque viajamos em busca das novidades,daquilo que modifique nossa respiração, que expurgue nossos costumes e hábitos, e nas quais possamos (re)criar novos mundos e novas perspectivas.

Diante de dois grupos - polícia e ladrão (traficantes) – vemos uma população amedrontada e obrigada ao silêncio, mas que começa a ter vez e voz (mesmo através de denúncias anônimas) e isto está provocando uma conspiração em busca de tranqüilidade e paz. São pessoas que denunciam de diferentes formas sua cotidianidade cheia de tensões porque não há a presença da lei comum a todos. Ao contrário, há uma lei instituída por alguns que as subjulgam e cuja negação demanda duas decisões: a expulsão ou a morte sumária. Toda a população parecia submersa em um caos turbinado, cheio de tensões e crises se encaminhando a um colapso geral na sociedade.

Com o aumento gradativo do abuso dos marginais, houve vontade política para escutar o clamor da população e partir para uma ação mais radical. Foi o ‘Vamos fazer juntos?’ do Santander. Uma ação militar em conjunto está refazendo, não apenas a loucura de termos vários ‘estados paralelos’ à luz do dia, mas também mudando a percepção das comunidades quanto ao direito de ter um ‘estado de direito’.

Não há (e nem pode haver) a ilusão de que tudo se resolveu. Os atores deste processo (traficantes, polícias, militares, governo) são formados por um capital humano com experiências, desejos e personalidades diferentes, e por isso, mesmo diante da idéia de ‘pacificar’, agem com truculência, má educação ou demandando humilhações à população por que não equilibram emocionalmente seu momento de poder. Ainda assim, há exceções enormes e são estas exceções que começam (ou recomeçam?) a ganhar a mídia de maneira a fortalecer (e entranhar) este momento de conluio positivo entre população e polícia. Ou seja, depois de ganho o coração, este momento precisa se espalhar na mente e na vida das pessoas.

‘Vamos fazer juntos?’ e o Papo de Polícia promovem um retorno à crença fiel no potencial humano de se transformar para viver e conviver melhor. Infelizmente não temos um Dom Cobb (Leonardo de Caprio), personagem do filme ‘A Origem’, capaz de esquematizar uma invasão na mente humana para plantar idéias de solidariedade, compartilhamento, colaboração e afeto. Porém temos Roberto (Beto) Chaves e seu jeito camaleônico (as vezes carnavalesco) de pensar que insinua em todos a real necessidade de se acreditar em mais conexões e reconexões sensíveis e sinceras entre todos com o objetivo de humanizar relacionamentos e descaracterizar relações entre polícia e juventude e/ou polícia e comunidade. É um processo de transição que não pode ser perdido, ao contrario deve ser reconhecido com mais confiança na intuição e, segundo Ferguson (p.369), com a consciência da existência de uma ligação maior entre todos.

O programa dividido em sete (número mágico, de elevação do homem, de um olhar profundo ao desconhecido, provocador de grandes vibrações) quebra um paradigma sério: o das coisas inquestionáveis. Como diz Ferguson (p.369) “normas e condicionamentos culturais são as grandes pressuposições não-questionadas que norteiam nossas vidas. Nós nos acostumamos aos papéis; estes se tornam ‘habituais’, e como tal inquestionáveis. O costume é como a formação de um nevoeiro; só o percebemos quando se desfaz e aparece um dia claro, límpido”. E parece que o programa se pretende um aparador de nuvens cuja idéia é mostrar que há alternativas, mas sem receitas prontas. É uma oportunidade “de um esforço simultâneo na direção da autonomia e da conexão, por mais contraditória que possa parecer [e se desfazer] das imposições e restrições de nossa cultura: falso machismo, cílios postiços, barreiras, limites” e certos dogmas. (FERGUSON, p. 370).

É possível o acontecimento de vários fracassos. Há a aceitação do erro, mas não sua permanência ou seu uso como limitador. O erro deve ser lembrado como ponto de onde se expandirão atitudes mais positivas diante da vida. É um pensamento e uma ação difícil, mas segundo Dostoievsky ‘cada um de nós é responsável por tudo para todos os demais’. É um caminho caudaloso, mas é preciso começar, é preciso empreender a travessia e criar exemplos, não exemplos de sucesso, mas exemplos de superação que demonstrem que todos nós somos capazes de tudo, até de mudar nossos olhares sobre certas instituições ou certezas inquestionáveis. É uma questão de mudança de percepção, de autodescoberta, já que “todos os dotes da mente se encontram à disposição do eu consciente: proteção e independência, sensibilidade e força” (FERGUSON, p. 370).

Parabéns pelo primeiro de muitos momentos de transformação e repensar que vocês tem me oferecido neste momento.

Profa. Claudia Nunes


Referência:

FERGUSON, Marilyn. Conexões humanas: os relacionamentos em transformação (p. 368-383) In. À Conspiração Aquariana: transformações pessoais e sociais nos anos 80. 5ª edição.

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...