domingo, 26 de dezembro de 2010

OLIVER SACKS e seu novo livro (24/11/10)

Sacks mostra como mente "cria" mundo

Novo livro do escritor aborda reconstruções da percepção quando área visual do cérebro tem descompasso.
Cegos que ainda são capazes de "ver" e os mistérios da visão em 3D dominam nova obra do neurologista inglês
                                              Moacyr Lopes Junior-19.5.05/Folhapress

Oliver Sacks em palestra em SP

REINALDO JOSÉ LOPES

EDITOR DE CIÊNCIA Autor de romances policiais, o canadense Howard Engel chegou a imaginar que estava sendo vítima de uma estranha conspiração ao tentar ler o jornal numa manhã de julho de 2001.

"Quando eu focalizava as letras, ora pareciam cirílico [alfabeto do russo e de outras línguas eslavas], ora coreano", contou Engel em carta ao neurologista e escritor britânico Oliver Sacks. Não era um plano maligno da KGB: Engel tivera um derrame numa pequena área do lado esquerdo do cérebro.

Anedotas como essa se juntam como as peças de um quebra-cabeças em "O Olhar da Mente", livro de Sacks que acaba de chegar ao Brasil. A mensagem mais ampla é clara: não há nada de automático na maneira como achamos que vemos o mundo.

Histórias como as de Engel mostram que o conjunto olho-cérebro está menos para câmera digital e mais para simulador de realidade virtual, usando pistas às vezes enviesadas para construir um modelo do mundo na cabeça de cada pessoa.

Na entrevista abaixo, Sacks fala da relação entre ciência e literatura e diz que a interface entre cérebro e máquinas tem potencial para revolucionar o modo como os sentidos funcionam.

Folha - Como é que o sr. normalmente escolhe o fio condutor de um livro? O sr. começa com o tema na cabeça e depois busca relatos de pacientes que se encaixem na ideia, ou é o contrário?

Oliver Sacks - Depende muito de quem me contata, do que acontece no meu cotidiano. Acidentes desempenham um papel muito grande para um médico. As coisas não são nem de longe tão sistemáticas quanto o cotidiano de um cientista.

Por que ainda é raro ver livros sobre ciência serem reconhecidos como literatura?

Fico tentado a dizer que algumas pessoas naturalmente vão gostar mais desse tipo de obra do que outras. Não penso em mim mesmo como um homem de letras. O que tento é dizer as coisas com a maior clareza e maior naturalidade possíveis.

Acho que é importante ler em voz alta. Quando escrevo, tento ouvir cada frase na minha cabeça, e acho que esse ouvido para o que se está escrevendo é crucial.

Os casos extremos que o sr. descreve ajudariam a mostrar que até as pessoas que chamamos de normais apenas usam seu cérebro para construir uma espécie de modelo do mundo, que nunca é a mesma coisa que o "mundo real" em si?

Em primeiro lugar, não penso em meus casos como extremos. Acho que eles apenas são os mais exemplares, digamos.

Quando falamos de coisas como o ato da leitura, ou a capacidade de reconhecer rostos, a tendência é considerar essas habilidades como algo natural. E as pessoas não têm a menor ideia de como essas coisas funcionam.

Isto é, a menos que você as analise. E ver pessoas cujas faculdades de reconhecimento foram esfaceladas faz, por exemplo, com que seja possível perceber que certa capacidade está associada a certa parte do cérebro.

Dessa maneira, você aprende que é possível saber o que a leitura ou o reconhecimento de rostos são em todas as demais pessoas. Ou seja: estudar um cérebro anormal lança muita luz sobre os cérebros normais.

Na última década, as pesquisas cujo objetivo é criar interfaces entre o cérebro humano e as máquinas avançaram muito. Qual o potencial dessas tecnologias para mudar a maneira como as pessoas percebem o mundo?

Conectar o cérebro a máquinas que possam se movimentar é muito empolgante para pessoas que ficaram paralisadas, pessoas que estão "trancadas" dentro do próprio cérebro por causa de alguma lesão e não possuem nenhum modo de se comunicar com o mundo exterior.

Na parte final do meu livro, abordo a chamada substituição sensorial, na qual uma câmera de vídeo é conectada a eletrodos implantados na língua do paciente.

Essa pessoa, então, é capaz de interpretar esses estímulos sensoriais na língua como uma percepção visual, mesmo que ela não enxergue. Isso não exige a implantação de eletrodos no cérebro. Mas nós vemos e ouvimos com nosso cérebro, e em breve vai ser possível -é algo que já foi conseguido em modelos animais- enxergar com essas interfaces.

E isso vai revolucionar a medicina.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O eterno luto de HARRY POTTER

Hoje eu vi ‘Harry Potter e as Relíquias da Morte – parte I’. Há uma característica importante neste filme: sensibilidade. Mais do que as conturbadas relações entre o bem e o mal, e entre os adolescentes do filme sob qualquer aspecto, o que eu observei e senti em meio às cenas foi a relevância dada à sensibilidade de cores, entre pessoas e histórias. Todavia a vontade de escrever este texto ascendeu em outro foco: a morte. Já repararam como a ‘carta’ da morte é presente nesta saga?

Se analisarmos com frieza a série Harry Potter, podemos afirmar que Harry é ‘aquele-que-sempre-perde: perde alguém. Sua vida se desenvolve por perdas pessoais sérias. Desde a mais tenra idade, sua luta se articula a fim de entender a perda, a morte e sua possível sobrevida. E desde sua mais tenra idade, dizem, é a amizade que o estimula a ser um sujeito equilibrado, perspicaz, criativo e proativo em relação às pessoas ‘do bem’ e seus dois amigos. Porém a sensação de perda, mundo ou sonhos caindo são ainda seus melhores parceiros nesta viagem ficcional. Há dois mundos em guerra dentro e fora do conjunto de emoções de Harry. Mundos que pendem para o seu lado mais sombrio, introspectivo e depressivo. Mundos que lutam para sucumbi-lo em nome do mais forte, mais adulto, mais experiente e mais trágico dos heróis: Voldemort. Estamos todos despreparados para o seu surgimento, mas ainda assim estamos encantados por sua grande sedução.

Harry é o ‘personagem-perda’. Em cada filme, o espectador sabe que Harry vai perder algo ou alguém. Em cada filme, o espectador aguarda quais ações Harry precisará realizar para SUPERAR suas perdas ou mesmo seu processo depressivo. Interessante é que a possibilidade de/da perda não habita os filmes 1, 2, 3. Harry os atravessa transformando em realidade o que o mundo dos bruxos já imaginava: é o ‘menino-que-sobreviveu’ ao Lord das Trevas. Ele se torna ídolo, poderoso e importante. Afetivamente tem seu ego inflado e isso provoca alguns desvirtuamentos de conduta, como desprezo às regras, certa inconseqüência por si mesmo e predisposição por correr ricos inomináveis.

Mas nos filmes 4, 5, 6 e 7, ele encara seu lado ‘humano demasiado humano’: ele perde, sofre, se agonia e duvida. Seu amigo, seu padrinho e seu mentor são ceifados de forma trágica (apesar de coerente para historia), aumentando cada vez mais seu vazio existencial. Como ele agüenta? Ele não agüenta. A cada filme sentimos que, não só o Harry, mas o filme em geral reflete os sentimentos que ganham lugar dentro do próprio Harry. É uma forma de extravasar emoções represadas. Os espectadores vêem nas cores, na musica e, lógico, nos personagens, uma crescente angustia, uma forte tensão, quase uma sensação de luto eterno cujo foco é uma série de emoções vividas sem possibilidade de expressão e a incerteza de continuarem vivos no momento seguinte. Tal fato alimenta a vontade de Harry e seus amigos de se aventurar em situações perigosas o tempo todo: todos os três necessitam do mesmo tipo de atenção e reconhecimento.

Nos filmes 4, 5, 6 e 7, Harry supera o que nem teve tempo de sentir. Ele é um sujeito atordoado que precisa seguir a vida, ou melhor, seguir a sina imposta a ele anos atrás. E cada vez mais ele vai entrando num processo de irrealidade e sem sentido, só amenizada pela presença incondicional (amizade) de Hermione e Rony, suas extensões e conversões.

Dizem que se uma pessoa é emocionalmente atingida pela perda, quando confrontada com o corpo da pessoa falecida, poderá começar a ultrapassar o nonsense da morte e readquirir equilíbrio emocional. Será? Pode ser, afinal, por exemplo, quando a pessoa assisti a morte gera em trauma sério ao seu psicologismo, mas ver o corpo ou assistir ao funeral tornam-se maneiras importantes de se tomar pé da realidade e mentalmente dizer adeus à pessoa querida. Diante de mortes tão próximas, Harry aceita sua verdade: ele é mesmo ‘o escolhido’ e tem uma missão a cumprir.

Fora a morte, parceira de seus julgamentos e pensamentos, Harry renasce como vingador. É a vingança que energiza sua imaginação, inteligência e criatividade, afinal fora os pais, as outras mortes acontecem diante de seus olhos e dentro de um problema que ele já conhece: existência de Voldemort. O que fica é uma grande INQUIETAÇÃO, uma estrutura de RELAXAMENTO travada e problemas na CONCENTRAÇÃO.

Em muitos momentos, Harry se entrega a profunda INTROSPECÇÃO porque acredita ser esta uma maneira de proteger aos amigos. E privilegia elementos ao coração, aos olhos e às idéias: a CULPA e a RAIVA. Ai a complexidade das emoções é muito maior levando Harry a duvidar até mesmo dos amigos. Ele se coloca num dilema, segundo Dumbledore, entre’ o que é certo e o que é fácil’.

Harry é simboliza o sujeito depressivo, bipolar, hiperativo, cheio de necessidades. Seu comportamento é irregular em cada um dos filmes porque está constantemente em crise aflitiva, ainda que observemos que Harry continua com suas atividades normais de estudante. Como assim? Que cabeça’ é essa? Só o amor e a amizade ajudam a continuar? Lembremos que a saga é uma grande ficção sobre um herói juvenil que vive por superações, logo sob qualquer circunstancia o final é feliz mesmo! Ou seja, em cada um dos livros, em algum momento, por quaisquer motivações, Harry ‘abre mão’ do seu luto, mas por causa dele, inicia um novo tempo de vida onde a busca solução ao seu destino. Que bom!

Não percam ‘Harry Potter e As Relíquias da Morte’, tal e qual o ‘Rei Leão’, há um círculo (ciclo) de vida em processo de finalização porque os três amigos se predispõem a estar juntos, realmente se conhecendo e reconhecendo, voltados para um fim comum, explicitando sentimentos até então represados pelas regras sociais e dentro de uma única certeza: nenhuma superação se realiza na solidão dos pensamentos ou das ações, ela precisa ser oportunizada pelo amor e pela amizade, em colaboração e por conexão atemporal.

Claudia Nunes

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...